Jean Piaget e os Estágios do Desenvolvimento Infantil: Por Que Ainda Não Compreendemos Sua Revolução?

Poucas pessoas são tão “a cara” do Complexus como Jean Piaget. Não podíamos deixar de escrever sobre sua vida e sua teoria dos 4 estágios do desenvolvimento infantil, que revolucionou a maneira como percebemos o amadurecimento psicológico das crianças e adolescentes. Nascido na Suíça em 9 de agosto de 1896, faleceu em Genebra aos 84 anos. Vocês acreditam que ele se formou em biologia e depois em psicologia, foi professor de epistemologia e desenvolveu uma teoria revolucionária no campo da pedagogia? Foi o que disse ali: ele é a cara do blog!!!

Por que estudar Piaget hoje ainda importa?

A sua vida e sua teoria são incríveis, mas no Complexus nós não estamos interessados somente naquilo que pode ser encontrado em uma simples busca na internet. Nossa ideia maior ao trazer Piaget para essa discussão é responder duas perguntas: será que nós, como sociedade, tratamos as nossas crianças como crianças? E o que acontece com o amadurecimento cognitivo de uma criança que é tratada “como adulto” quando seu sistema cognitivo ainda não está totalmente formado?

Piaget e a origem de sua teoria

Seu pai era doutor em língua e literatura medievais. Com certeza, essa relação com o meio acadêmico trouxe para o jovem Piaget uma perspectiva de proximidade com o processo através do qual se faz uma pesquisa e se cria conhecimento verdadeiro. Prova disso foi que o jovem publicou seu primeiro artigo aos 11 anos de idade, sobre suas observações de um pardal albino. Aos 14 anos ele entrou para o “Clube dos Amigos da Natureza” em sua cidade natal, Neuchâtel, começou a trabalhar como assistente no museu de história natural e também passou a escrever artigos sobre taxonomia para revistas especializadas.

Da biologia à pedagogia

Em 1918 ele se formou bacharel em ciências naturais e se mudou para Zurique para estudar psicologia. Sua estadia em Zurique o colocou em contato com vários nomes de destaque da psicanálise, psicologia e psicopatologia, o que expandiu seu horizonte de indagações. Ele é considerado um dos pensadores mais influentes do século XX e escreveu mais de 50 livros e mais de 100 artigos. Porém, nada chamou mais a atenção de Piaget do que o desenvolvimento da criança e sua forma própria de raciocínio.

Através de estudos e observações — que incluíram seus próprios filhos (ele teve 3) — Piaget percebeu que o cérebro infantil não é simplesmente um cérebro adulto em miniatura. Portanto, ele funciona de maneira diferente e não podemos deixar de levar isso em consideração no processo de educação.

Para começar a disrupção, Piaget descobriu algo novo até então. Ele afirmou que nosso desenvolvimento cognitivo não se dá somente pelo amadurecimento fisiológico do cérebro, nem somente pelo acúmulo de experiências pessoais e sim pelo combinado dos dois. Ou seja, há uma causa interna biológica (o sistema nervoso) e uma causa externa psicológica (o processo de aprendizado).

Os 4 estágios do desenvolvimento cognitivo segundo Piaget

Ao mapear 4 estágios de desenvolvimento cognitivo infantil, ele notou “marcos” no amadurecimento das crianças observadas e usou essas experiências, que eram comuns a vários indivíduos, como símbolo da progressão de um estágio ao outro. A idade com a qual cada indivíduo passa de um estágio a outro pode variar, mas a sucessão dos estágios é sempre a mesma.

1º Estágio: Sensório-motor (0 aos 2 anos)

A capacidade de cognição ainda não existe e o mundo é explorado através dos sentidos e das sensações mais imediatas. A coordenação motora básica é desenvolvida e a criança começa a reconhecer e diferenciar objetos. A cada novo estágio no aprendizado físico-motor, como sentar, engatinhar e andar, a criança é levada à exploração dos arredores a partir de uma nova perspectiva. Ainda não está formalizado o senso de identidade e, para crianças que já verbalizam, é raro o uso da palavra “eu”.

2º Estágio: Pré-operacional (2 aos 7 anos)

A criança começa a usar a linguagem com mais fluência e desenvolve o pensamento metafórico através de brincadeiras de “faz de conta”. O senso de identidade está estabelecido e se reafirma através de um egocentrismo característico. Ela tem dificuldade para entender outras necessidades ou pontos de vista e não percebe relações de transformação ao longo do tempo. Surge a capacidade de fazer perguntas EXATAMENTE na hora que a dúvida aparece, mesmo que não seja o momento apropriado para perguntar, e de fazer pedidos com o intuito de controlar o comportamento dos adultos ao seu redor.

3º Estágio: Operações concretas (7 aos 11 anos)

Há um aumento muito significativo em relação aos sentimentos e atitudes para com os outros (desenvolvimento de empatia). Capacidades melhoradas para trabalhar em grupo respeitando e ouvindo a opinião dos colegas. 

A criança também desenvolve o raciocínio lógico passando a conseguir comparar dois objetos entre si e dizer qual é maior/menor, de ordenar mais de dois objetos em ordem crescente ou decrescente de grandeza e de aplicar a propriedade transitiva (Se A>B e B>C então A>C) a objetos desde que os tenha visto. O pensamento lógico e o “mundo real” ganham mais visibilidade por mais que a criança ainda brinque metaforicamente.

4º Estágio: Operações formais (11 aos 14 anos)

Nessa fase o adolescente já é capaz de criar hipóteses e ideias novas, o foco do pensamento desvia-se para o futuro e pensa-se muito em como as coisas deveriam/poderiam ser ao invés do porque elas são como elas são. O adolescente também passa a sentir a necessidade de se afirmar como pertencente a algum grupo social que ele reconheça além do núcleo familiar. Há um aumento da capacidade de raciocínio cognitivo, pois agora, capaz de pensamentos abstratos profundos, associados ou não ao “eu”, o adolescente começa a mostrar sinais espontâneos de responsabilidade pessoal. Por exemplo: Antes do ano letivo começar, ele é capaz de saber que deve estudar se quiser aprender e passar de ano e, não basta saber, ele é capaz de agir com antecedência e se preparar folheando os livros e adiantando as matérias que vai estudar sem esperar que o professor “dê a matéria”.

A grande virada: autonomia e aprendizado real

A primeira grande conclusão retirada dos trabalhos de Piaget foi que as crianças só aprendem aquilo para o que estão neurologicamente preparadas. Portanto, o papel da escola deveria deixar de ser o de uma máquina transmissora de conteúdo e emissora de certificados de conclusão. É preciso identificar o estágio de desenvolvimento dos alunos e adaptar a metodologia. Além disso, devemos promover uma educação que estimule os conceitos através da experimentação e transversalidade entre as matérias. Isso confronta diretamente o modelo de ensino da escola autoritária e voltada a ensinar a marcar A,B,C ou D com mais eficiência.

Percebam ainda que: todos os 4 estágios levam a um estado psicológico onde a criança é capaz de tomar uma atitude no presente, mesmo que traga dor imediata, pois ela entende o efeito transformador que essa atitude terá no futuro, no vir-a-ser, naquele “estado” que a criança busca atingir mas que, pela sua complexidade, exige ações múltiplas além da ação do tempo. Avançando pra sociedade de hoje vemos: adultos que querem emagracer mas não querem fazer dieta, é mais fácil tomar o Mounjaro e não sentir fome do que se reeducar nutricionalmente. Também vemos adultos que, quando querem passar em uma prova importante, estão sempre em busca do “método secreto”. O método é sentar e estudar, amigos! Ou ainda, pra terminar em apenas 3 exemplos, adultos que querem garantir infâncias saudáveis para seus filhos e aplaudem quando o governo aprova uma lei proibindo celulares nas escolas maaaaaas, não saem do celular quando deveriam escutar e brincar com seus filhos em casa.

Vocês conhecem algum adulto (ou se reconhecem?) que caiba em pelo menos uma dessas descrições? Eu mesmo admito, me reconheço! Somos confrontados então, com a própria definição do que seria “autonomia”, ou seja, uma “lei interna” que nos leva a agir independente de impulsos externos ou interesses particulares. É lindo o quanto esse conceito conversa com Kant e sua filosofia moral!

Para Piaget os 4 estágios do desenvolvimento infantil, vividos e estimulados durante a infância de maneira “correta”, levam a um indivíduo adulto menos propenso à vícios e psicopatologias pois eles conduzem à autonomia! Pais e mães, entendam de uma vez por todas: Uma criança que não aprende a pensar com autonomia aos 12/14 anos dificilmente conseguirá fazê-lo aos 30. No ímpeto de proteger a criança, matamos a autonomia do adulto.

Educação, doenças mentais e responsabilidade coletiva

Trazendo a visão Complexus para esse problema social, observamos que nem sempre a culpa é do indivíduo quando ele adoece psicologicamente ou tem um comportamento infantilizado. Talvez a culpa seja de um sistema educacional que ainda tenta colocar todos em uma mesma fôrma. Quinze anos passados na escola, decorando conteúdos descontextualizados, o resultado? Adultos que não sabem declarar o imposto de renda nem gerenciar as própias emoções.

Por que falar sobre isso é tão importante? Porque vivemos uma epidemia de doenças mentais e insistimos em medicar o adulto, quando o problema começou lá atrás, na infância. A única saída para essa sociedade doente é salvar as crianças. Somente olhando com muito carinho para nossas crianças e para seu processo de educação poderemos ter uma sociedade mais civilizada, justa e igualitária. Lembrem-se, a única solução para os maiores problema da nossa sociedade sempre foi e sempre será a mesma: educação!     


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